4. Bases teóricas

Abaixo apresentamos os 3 principais conceitos que serviram de base para a pesquisa e prática que deu origem à MEIS. Esses textos são sínteses do que foi construído para a dissertação.

1. Design Estratégico

O conceito de Design Estratégico que aqui apresentamos surge do trabalho de pesquisadores como Francesco Mauri e Francesco Zurlo, que refletem sobre a prática de empresas italianas a partir de conceitos propostos por autores de variadas origens como John Kay, Normann e Ramires, Karl Weick, Edgar Morin, Pierre Levy, George Bateson e Donald Winnicot. Tais autores, articulados, levam a um entendimento de estratégia e organização mais afinados com temas emergentes da virada do século XX para o século XXI como a necessidade de desenvolver a capacidade de rápida interpretação (e reinterpretação) de cenários em um mundo cada vez mais imprevisível e uma visão de construção de valor que transcende a lógica de cadeia sequencial de atores ou atividades

Nos anos subsequentes, pesquisadores da Politecnico di Milano e da Unisinos exploram diferentes potencialidades do Design Estratégico aplicando-o como metodologia prática e como chave de reflexão em organizações não-comerciais. O Design Estratégico é, então, associado formalmente à inovação social e à sustentabilidade. Sua capacidade de mobilização do coletivo para uma disrupção que traga benefícios para além da organização e do tempo envolvidos no projeto é considerada como parte do DNA da metodologia por autores como Anna Meroni, Ione Bentz, Karine de Mello Freire, Ezio Manzini, Carlo Franzato e Gustavo Borba, embora essa não seja a única perspectiva disponível tendo em vista abordagens encontradas no livro organizado por Celso Scaletsky e no volume de Anderson Penha e André Coutinho.

O Design Estratégico quando associado epistemologicamente e metodologicamente à inovação social e sustentabilidade, evidencia uma orientação para o diálogo e para a participação coletiva na “configuração da forma, função, valor e sentido de propostas integrais de ações configurantes das sociedades e organizações protagonizadas pelas pessoas” (FRANZATO et al, 2015). E isso surge com uma intensidade e amplitude que não encontram paralelo em outras metodologias, especialmente nas que são derivadas da cultura gerencial. Nestas, os pressupostos são, em geral, o controle e a eficiência, duas diretrizes que não raro colidem com a necessidade de diálogo e participação no projeto.

A noção de “coletivo” no Design Estratégico é peculiar porque realmente inclui como atores fundamentais ao projeto aqueles que não estão formalmente ligados à organização, mas que compõem a sua rede de atividades e fluxos. Na cultura gerencial clássica, decisões estratégicas em geral são tomadas apenas pela alta diretoria, mas o Design Estratégico, segundo as abordagens acima citadas, parte do pressuposto de que a estratégia é resultado das relações e processos que se entrelaçam no ecossistema criativo do qual a organização faz parte.

O ecossistema criativo é entendido aqui como o conjunto de atores, relações, recursos e situações criativas que recursivamente produz e é causa de processos criativos e dispositivos sociotécnicos, e se caracteriza primordialmente pelos fluxos criativos que resultam dessa configuração. Considera-se, nessa perspectiva, que todo aquele que participe desses fluxos tenha voz no projeto sob pena do mesmo não construir valor para o ecossistema, acabando por mostrar-se irrelevante. A MEIS surge para permitir que esses fluxos aconteçam da forma mais estratégica e produtiva possível.

2. Community Centered Design

Anna Meroni (2008) propõe que o Design Estratégico pode ser considerado community centered design em oposição ao user centered design – não apenas no sentido de um projeto baseado em colaboração e codesign mas também no entendimento de que comunidades reunidas em torno de interesses comuns (entre outros critérios) possibilitam, através de um projeto estruturado para tanto, que os interesses coletivos sejam contemplados expressando e coordenando todos os interesses individuais em vez de anulando alguns e promovendo outros. Ciente das dificuldades inerentes de qualquer projeto coletivo, Meroni, Fassi e Simeone propõem um roteiro que oferece um caminho estruturado para um projeto de design centrado “na comunidade” e não “no usuário”.

3. Inovação Social

Um aspecto do Design Estratégico que une todos os autores que tratam do tema é sua orientação à inovação. Contudo, não qualquer inovação. Especificamente para alguns autores, como Manzini, Jégou, Meroni, Franzato, Del Gaudio e Freire, o Design Estratégico tem especial valia quando se necessita gerar uma inovação que vai além do valor mercadológico, a chamada Inovação Social: novas soluções ou novas colaborações que resolvem problemas sociais ao mesmo tempo em que produzem condições que ampliam a capacidade dos cidadãos de, articulados, inovar e resolver seus problemas sociais.

Embora a Inovação Social tenha uma longa trajetória na qual se inserem as tradições de sindicatos, cooperativas, movimentos dos direitos civis e instituições religiosas, estamos vivendo um novo momento na história da Inovação Social devido à combinação de constantes descontinuidades sociais e tecnológicas pelas quais o mundo está passando, o que provoca o surgimento somado de muitas e de novas iniciativas de Inovação Social

Porém, ainda que as oportunidades abundem, a geração de inovação social enfrenta uma série de obstáculos. Um deles é o fato dos métodos e processos de inovação tradicionais, oriundos da cultura gerencial, não serem automaticamente traduzíveis para a inovação social por serem focados na busca de resultados financeiros e em coalizões de estruturas organizacionais excessivamente formais, o que implica em uma ênfase em competição, lucro e crescimento econômico, fatores que não necessariamente são importantes para as comunidades e organizações civis que em geral são protagonistas e público da inovação social. Outro obstáculo, consequência do primeiro, diz respeito ao risco que muitos projetos de inovação social correm de não prosperarem por carecerem de métodos ou processos apropriados para nascerem e florescerem. É para contrapor esses dois obstáculos que se lançou mão do Design Estratégico nesse projeto.

Portanto, Inovação Social não é compreendida aqui apenas como resultado de um processo de design, mas também motivação e meio. Como motivação, a Inovação Social surge da necessidade das pessoas de, coletivamente, adaptarem-se às atuais transformações tecnológicas, econômicas e sócio-políticas. Como meio, trata-se das novas formas com que as organizações precisam combinar os recursos que estão à sua disposição ou das novas perspectivas e sentidos que propõem. Como resultado, é o estabelecimento recorrente de “práticas sustentáveis que criam valor coletivo acima dos interesses individuais”.

 


Bibliografia da seção

DEL GAUDIO, Chiara; FRANZATO, Carlo; OLIVEIRA, Alfredo Jefferson. Codesign for democratising and its risks for democracy. CoDesign, [S.I.], v. 16, n. 1. dec. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 2 jan. 2019.

FEDERIZZI, Carla Link; BORBA, Gustavo Severo de. Design para inovação social no âmbito da cidade: da teoria a práticas no Estado de São Paulo. In: FREIRE, Karine de Mello (org.). Design estratégico para a inovação cultural e social. São Paulo: Kazuá, 2015. p. 83-116.

FRANZATO, Carlo; CAMPELO, Filipe. Special issue: strategic design research journal tenth volume. Strategic design research journal, São Leopoldo, v. 10, n. 2, p. 89-90, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 22 fev. 2020.

FRANZATO, Carlo; DEL GAUDIO, Chiara; PARODE, Fábio; BORBA, Gustavo; FREIRE, Karine; BENTZ, Ione. Inovação cultural e social: design estratégico e ecossistemas criativos. In: FREIRE, Karine de Mello (org.). Design estratégico para a inovação social e cultural. São Paulo: Kazuá, 2015. p. 157-182.

FREIRE, Karine. Design estratégico: origens e desdobramentos. In: P&D, 11., 2014, Gramado. Anais… São Paulo: Blücher, 2014. p. 2815-2829.

JÉGOUS, François; MANZINI, Ezio. Collaborative services: social innovation and design for sustainability. Milano: Edizione Polidesign, 2008.

MANZINI, Ezio. Design quando todos fazem design: uma introdução ao design para a inovação social. São Leopoldo: Unisinos, 2017.

MERONI, Anna. Strategic design: where are we now: reflection around the foundations of a recent discipline. Strategic design research journal, São Leopoldo, v. 1, n. 1, p. 31-38, 2008. Disponível aqui. Acesso em: 20 fev. 2020.