3. Aplicando a Gestão por Mandalas

Durante a pesquisa que deu origem à MEIS, sentimos a necessidade de complementar a metodologia utilizada com o aporte de uma visão ética com princípios de aplicação prática que auxiliassem a manter o projeto o mais democrático e participativo possível. Encontramos isso na Gestão por Mandalas.

A Gestão por Mandalas foi criada pelo professor budista Padma Samten e junto com a comunidade do CEBB, uma rede de centros budistas presente em todo o Brasil. A forma como o Lama Samten e sua comunidade fazem a gestão dessa grande rede de iniciativas é chamada de Gestão por Mandalas. A escolha da Gestão por Mandalas se deu por entendermos, pesquisador e orientadora, que uma abordagem espiritual contemplativa como é o Budismo pode ser um sólido referencial ético em projetos de codesign. Para mais sobre essa discussão, leia o artigo Spirituality Based Codesign apresentado no Participatory Design Conference 2022, no qual exploramos esse tema.

A Gestão por Mandalas não é uma metodologia formal, no sentido de estar documentada e ser transmitida de forma sistemática, ao menos até o momento da pesquisa (2019). Ela surgiu a partir da experiência empírica do Lama Samten e seus alunos que fazem a gestão da rede com práticas que vêm sendo transmitidas em grande parte em palestras e rodas de conversa, algumas delas transmitidas ao vivo pelo YouTube e disponíveis para o público em geral, além de ter alguns princípios descritos em documentos internos e nos livros Mandala do Lótus e Relações e Redes.

Mandala é uma palavra em sânscrito que tem diversos significados de acordo com a tradição ou linhagem espiritual que a utiliza. Segundo o site Rigpa Wiki, “No nível mais simples, uma mandala pode ser entendida como nós, os estudantes ou praticantes, e o mundo fenomênico ao nosso redor. A palavra ‘mandala’ também descreve uma estrutura integrada que é organizada em torno de um princípio unificador central.”

Quatro pontos da Gestão por Mandalas foram selecionadas e são sugeridas como ponto de partida para o trabalho com a MEIS como forma de aportar uma atitude ética ao projeto de codesign:

1. Acalmar a mente

Através de práticas como a meditação, é recomendável construir a capacidade de acalmar a própria mente durante o processo de projeto para identificar e desenvolver liberdade frente aos próprios padrões de pensamento e comportamento, bem como sintonizar a atitude de acordo com qualidades positivas. Na pesquisa que deu origem à MEIS, além de sua prática diária de meditação, o pesquisador praticava a atenção plena focada na respiração como forma de preparação para as diversas etapas do trabalho ao longo dos meses.

Foto: Steve Johnson – Pexels

2. Sentar em roda

Ao sentar em roda, todos integram o círculo a partir de uma posição equânime, todos podem enxergar e escutar uns aos outros mais facilmente e não há uma hierarquia física fruto de um púlpito ou palco. Nessa posição, segundo o Lama Padma Samtem: “nos olhamos diretamente e pensamos sobre o que está andando bem e como podemos melhorar nossas vidas – a inteligência compassiva fundadora das redes, que dá sentido à nossa vida, brilha. Somos então capazes de entender e acolher as visões e os mundos dos outros, e surge a auto-organização como a capacidade coletiva de criar soluções práticas e ações em meio ao mundo. (SAMTEN, 2019, p. 38). Sentar em roda é um princípio extremamente simples de ser aplicado em projetos colaborativos, mas que faz uma grande diferença nos encontros.

Foto: Vitaly Kutsan – Pexels

3. Noção de Coemergência

 

Uma vez que acalmamos a mente e sentamos em roda, procuramos olhar para o grupo lembrando que suas características dependem desse olhar. O que surgir no grupo tem correspondência com nosso mundo interno. Na linguagem da Gestão por Mandalas, diz-se que as redes e relações que construímos e habitamos podem ser vistas como mandalas onde simultaneamente treinamos e exercemos essas habilidades para nós, para os outros e para o meio ambiente.

Foto: Ksenia Chernaya – Pexels

4. Receptividade

Compreendendo isso, nos tornamos mais responsáveis, atentos e cuidadosos. Buscamos intencionalmente gerar a capacidade de ouvir e receber as pessoas a partir de seus contextos sem tentar enquadrá-las forçosamente nas lógicas do processo, mas buscando valorizar e realçar suas qualidades positivas – aquelas que conduzem à construção de relações positivas consigo mesmo, com os outros e com o meio ambiente.


A aplicação desses pontos na pesquisa original se deu tanto de maneira explícita (como no sentar em roda) quanto implícita (noção de coemergência e receptividade). A aplicação implícita se deu através de uma técnica budista bastante simples conhecida como Lojong ou “Treinamento da Mente”. Um dos pilares do Lojong é aprender, trazer à mente e vincular comportamentos a frases ou textos-chave considerados “máximas enérgicas que lembram o que devemos fazer para despertar o coração” e que “nos ajudam a perceber que a sensação de haver um ‘eu’ e um ‘outro’ – ambos isolados e separados’ – não passa de um doloroso mal entendido que podemos esclarecer e abandonar” (CHODRON, 2003, p. 9-10). Esse processo de trazer frases-chave à mente de forma cotidiana é descrito por Wallace (2017, p. 22) como meditações discursivas, ou seja, “dar forma e significado ao pensamento conceitual, refinando a maneira como vemos o mundo”.

Bibliografia da seção

CHODRON, Pema. Comece onde você está: um guia para despertar nosso autêntico coração compassivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

KHADRO, Chagdud. Práticas preliminares do budismo vajrayana: instruções para o Dudjom Tersar Ngöndro. Compiladas dos ensinamentos de sua eminência Chagdud Tulku Rinpoche. Porto Alegre: Rigdzin, 1997.

SAMTEN, Padma. Auto-organização e sonho coletivo: outro mundo é possível. [S.l.]: Lama Padma Samten, 2016a. (59 min 30 s). Disponível aqui. Acesso em: 18 jun. 2019.

SAMTEN, Padma. Auto-organização e terra pura: mesa redonda: Lama Padma Samten, Eduardo Luft e Sérgio Sardi. [S.l.]: Lama Padma Samten, 2016b. (2 h 06 min 57 s). Disponível aqui. Acesso em: 18 jun. 2019.

SAMTEN, Padma. Encantamento e auto organização: retiro com o Lama Padma Samten #1. [S.l.]: Lama Padma Samten, 2018a. (1 h 26 min 55 s). Disponível aqui. Acesso em: 18 jun. 2019.

SAMTEN, Padma. Gestão por Mandalas. Centro de Estudos Budistas: Bodisatva, Viamão, 2013. Disponível aqui. Acesso em: 18 jun. 2019.

SAMTEN, Padma. Mandala do lótus. São Paulo: Peirópolis, 2006.

SAMTEN, Padma. Palestra: auto-organização. [S.l.]: Lama Padma Samten, 2018b. (1 h 31 min 48 s). Disponível aqui. Acesso em: 18 jun. 2019.

SAMTEN, Padma. Palestra: o sonho das aldeias CEBB e a cosmovisão budista. [S.l.]: Lama Padma Samten, 2017a. (1 h 39 min 25 s). Disponível aqui. Acesso em: 18 jun. 2019.

SAMTEN, Padma. Projeto terra pura: gestão por mandalas. [S.l.]: Lama Padma Samten, 2017b. (2 h 05 min 29 s). Disponível aqui. Acesso em: 18 jun. 2019.

SAMTEN, Padma. Relações e redes. Viamão: Ação Paramita, 2019.

WALLACE, B. Alan. Budismo com atitude: o treinamento da mente em sete pontos. Teresópolis: Lúcida Letra, 2017.